segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

TRF-4: o Calcanhar de Aquiles


          "O grande Calcanhar de Aquiles é a ausência de conexão entre a propina paga através do triplex e o contrato obtido pela OAS junto à Petrobrás. E isto é um problema de mérito, e um problema formal também, porque afeta a própria competência do juiz Sérgio Moro e a competência estabelecida no âmbito da Operação Lava Jato para julgar este caso. 


          Este processo veio do Judiciário estadual paulista porque a juíza, à época, entendeu que o caso tinha conexão com a Lava jato; e desde então, este caso ali ficou, em Curitiba, e agora em Porto Alegre. Mas não há a conexão, esta conexão não é evidente e isto afeta tanto o mérito da questão quanto a própria existência do crime de corrupção consubstanciado neste ato, de quid pro quo, de troca, entre a obtenção do contrato e o pagamento da propina. 


          E afeta a própria formalidade, a adequação formal do processo - que chamamos de devido processo legal - porque, se não há esta conexão evidente, não há nenhuma razão para que este processo seja julgado em Curitiba e não em São Paulo. 

           A OAS é uma empreiteira paulista, o apartamento é no Guarujá, no Estado de São Paulo, e não existe nenhuma razão para este processo ser julgado em Curitiba se não a suposta conexão com a Petrobrás. Este é o principal Calcanhar de Aquiles, que afeta tanto o mérito da sentença quanto a adequação formal do processo. 


          (não estar na 13ª Vara, com o juiz Sérgio Moro, em Curitiba, mas em São Paulo) Mudaria tudo porque seriam outros procuradores, outra investigação, outro regramento para a possibilidade de utilização de provas de outros processos. 

          Talvez os procuradores em São paulo não tivessem a mesma impressão que os procuradores da Lava Jato sobre a palavra de Léo Pinheiro, por exemplo. Um cara que mudou de versões quatro ou cinco vezes no meio de uma negociação de acordo e, no final, acabou sendo o fiel da balança numa condenação tão importante. 


           Ouvi todos os votos, tive o desprazer de ouvir os votos, porque este é um julgamento que é preciso entender, pelo precedente que ele gera de cima para baixo, principalmente por esta flexibilização dos requisitos necessários para uma condenação pelo crime de corrupção. (o acórdão do TRF-4) Vai gerar, com certeza, um impacto de cima para baixo nos processos que ainda estão em andamento e que não passaram pela primeira instância nem pelo tribunal. 


           Porque, querendo ou não, esta decisão hoje do tribunal é uma mudança da jurisprudência do tribunal com relação à própria tipicidade - os elementos típicos do delito de corrupção. Até então, esta necessidade de comprovar a existência de uma vantagem e uma contrapartida, ainda que a vantagem não tenha sido efetivamente concretizada e a contrapartida não tenha sido efetivamente realizada, esta correlação entre um e outro fazem ou faziam parte da definição do crime. 


           É fundamental demonstrar esta correlação. E hoje a fundamentação utilizada pelo desembargador-relator, e acompanhada pelos demais desembargadores, vai no caminho de que Lula era o líder de uma organização criminosa que atuou nos bastidores como garantidor de um processo de corrupção. 

           Ou seja, é uma loucura, é um nível de abstração em que simplesmente se entendeu por bem superar a necessidade de comprovar esta correlação entre contrapartida e vantagem. O que é uma mudança brusca dentro da própria Lava Jato. 


           Até então, as condenações tem sido cravadas por contratos, por fatos, por atos. Na última condenação de José Dirceu, ainda que se veja ali uma fragilidade, o que se estava discutindo era uma correlação que fazia sentido no tempo e no espaço, entre a obtenção de um determinado contrato e um determinado pagamento. 


           Agora, nesta condenação, com esta fundamentação, abre-se uma mão para uma arbitrariedade tamanha. Porque, se eu não preciso comprovar esta correlação para funcionar o crime de corrupção, basta uma argumentação de que o cara atuava como líder nos bastidores para poder condená-lo por isto. 


           Vale lembrar que neste caso Lula não foi acusado de integrar uma organização criminosa. Por isto, a argumentação de que era um líder que atuava nos bastidores, um garantidor, isto é completamente despropositado, não fez parte da acusação, não fez parte da sentença, não fez parte do recurso do Ministério Público e agora integra o fundamento da decisão do tribunal. 

       O que é uma loucura porque, a cada momento, o fundamento desta condenação vai mudando. Do ponto de vista de segurança jurídica e seriedade de instituições e o respeito ao devido processo legal, tem-se uma grave violação. 


          Todos nós sabemos que Lula tem culpa grave no cartório por diversos malfeitos mas talvez não estes que lhe estão sendo imputados. Hoje, infelizmente foi uma derrota muito forte para nossas instituições. Eu não gostaria de vê-lo candidato, mas gostaria de vê-lo derrotado de outra forma, não desta, com completo atropelo da nossa legislação, atropelo de nossos valores jurídicos."

(Comentário de um brilhante, competente e promissor advogado e amigo sobre o veredicto do TRF-4 ao julgar sentença de Sérgio Moro condenando Lula (fiz a degravação de áudio que este advogado mandou-me pelo Whatsapp, de maneira informal e sem preocupação com rigor estilístico ou elaboração do texto. O que só aumenta o brilho do comentário)
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